O modelo feminino permitido ao ser humano pelo padrão judaico-cristão baseia-se no fragmento do ‘primeiro ego’, que seria Adão. Vários textos históricos, porém, citam uma variante, a criação de Lilith, a primeira mulher, feita em igualdade de condições com o primeiro homem, e expulsa do Paraíso por tentar buscar essa igualdade.
Não se sabe com certeza como a lenda de Lilith, a primeira companheira de Adão, foi banida da versão Bíblica da Igreja. Mas nas Escrituras hebraicas podemos encontrá-la como uma mulher feita de pó negro e excrementos, portanto, condenada a ser inferior ao homem. No fundo, Lilith já foi criada como um demônio, tendo gerado, juntamente com Adão, outros seres iguais a ela, que se
vingam contra a humanidade. Essa natureza satânica é, por assim dizer, uma advertência que a cultura rabínica e patriarcal nos faz com relação àquela que perturbou o sono de Adão: Lilith, feita de sangue e saliva, é expressão de fatalidade. Nisso Lilith é mais fiel ao protótipo da mulher do que a submissa Eva, embora ambas tenham sido veículo do pecado.
O alfabeto Bem Sirá (século VI ou VII) conta que Lilith, inconformada com a situação de desigualdade vivida com Adão, questiona: “Por que devo deitar-me embaixo de ti? Por que ser dominada por você? Eu também fui feita de pó e por isso sou tua igual.”
E Adão, ciente da supremacia do homem, nega-se a inverter a ordem. Lilith então se descontrola, pronuncia o nome mágico de Deus, acusa Adão e vai embora. Voa para as margens do Mar Vermelho, onde passa a viver em promiscuidade com os diabos, gerando cem demônios por dia.
E lá se transforma e assume seu tenebroso destino, seduzindo homens em seus sonhos e espalhando a morte, pois foi declarada guerra ao Pai.
Encarnando o feminino negativo, transfigura-se, posteriormente, em inúmeras deusas lunares (Ihstar, Astarte, Isis, Cibele, Hécate), arquétipos das forças incontroláveis do submundo – a Lua Negra.
Mas existem ainda muitas outras histórias sobre ela. Para os assírios, era considerada um demônio. Alguns estudiosos dizem que era a mulher de Samuel, da qual surgiram as imagens de Adão e Eva. No Zohar também é assimilada como a rainha dos demônios, aquela que incitava os homens. Na Kabala, pode corresponder ao 10º sefiroh, Malkuth, que reina no submundo e na escuridão, incapaz de se contatar com Deus, sempre sujeita às tentações e frustrações constantes.
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